Neurologista CRM 770

Demências

O termo DEMÊNCIA deriva do latim DE = sem e MENS = mente, sendo usado de forma abrangente quando percebe-se declínio de funções cognitivas como os vários tipos de memória, na orientação no tempo e no espaço, em funções executivas, com dificuldade de comunicação e alterações do comportamento.

Demência é uma síndrome, ou seja, um conjunto de sintomas e sinais que pode decorrer de diferentes causas. Portanto demência pode surgir em qualquer idade, em decorrência de diferentes causas. Entretanto é muito mais frequente em pessoas de idade, especialmente acima de 60 anos, por isso quando se menciona demência logo se pensa em doença dos idosos.

Hoje este termo provoca reações desagradáveis, uma marca constrangedora para o paciente e familiares. Por isso tem-se tentado substitui-lo por DÉFICIT COGNITIVO, o que tem sido bem aceito.

A demência tem alta incidência na população idosa, aumentando a medida que aumenta a longevidade.  Após os 65 anos, a incidência dobra a cada 5 anos, chegando a atingir 20% das pessoas de 80 anos para cima.

Deve-se sempre investigar causas possíveis de demência  que tem tratamento específico e as vezes curativo, como deficiência de vitamina B12, neuro-sífilis, hipotireoidismo  (doença de Hashimoto). Outras possíveis etiologias são as doenças priônica, a de Parkinson, a recentemente definida encefalite autoimune, por exemplo.

Porém as doenças degenerativas do cérebro constituem o grupo maior que determinam  demência, sendo as 4 principais: degeneração fronto-temporal, doença dos corpos de Lewy, demência vascular e a doença de Alzheimer.

O diagnóstico de demência se faz inicialmente pela história clínica em que os pacientes, ou familiares, relatam falhas de memória para fatos recentes e imediatos e que vai se tornando mais notável à medida que passam os dias. Passam a esquecer fatos mais relevantes, compromissos, nomes de familiares, dias da semana e do mês, com dificuldade na execução de tarefas habituais. As pessoas ficam mais apáticas ou irritadas. A comunicação vai se comprometendo, tanto na fala, na compreensão, nos cálculos ou na escrita. Por isso a demência pode ser classificada em diferentes graus, desde leve a avançado.

Os exames clínico e neurológico são fundamentais porque podem detectar anormalidades que orientam para o diagnóstico etiológico. Exames complementares fazem parte da investigação inicial, também com o propósito de se encontrar desvios que sugiram uma causa possível. Fazem parte: exames laboratoriais, tomografia do crânio, ressonância magnética do crânio, teste de perfusão cerebral (SPECT) ou mesmo o PET scan.  Exame do líquido cefalo-raquiano       (líquido da espinha) pode ser necessário em casos especiais.

A avaliação cognitiva pode ser realizada com testes padronizados no Brasil, uns mais simples, utilizados pelo médico no consultório, enquanto outros mais completos podem ser necessários e são aplicados por neuropsicólogos especialistas.

Das doenças degenerativas a menos frequente é a DEGENERAÇÃO FRONTO-TEMPORAL (DFT) conhecida também por DOENÇA DE PICK, cuja característica que a distingue das outras é o distúrbio comportamental (VARIANTE COMPORTAMENTAL), com pelo menos   3 sintomas entre desinibição, apatia, falta de empatia, compulsões, hiperoralidade e disfunção executiva. A pessoa passa a ter comportamento social inapropriado, mostrando-se impulsiva com decisões inconsequentes, torna-se inconveniente. Mostra-se indiferente, não liga para os outros, deixa de fazer mesmo o trivial, com perseverações, atos motores repetitivos, coletar objetos, perambular. Mudança de hábitos alimentares, ingestão maior de doces e carboidratos, come excessivamente, enche demais a boca e até pega comida nos pratos de outros. A memória fica preservada durante algum tempo.

Existe também a variante da comunicação (AFASIA PRIMÁRIA PROGRESSIVA) com dificuldade de nomear e para compreender palavras menos comuns e vai perdendo o sentido das palavras precisando de pistas para lembrar das palavras, mas a repetição permanece intacta.

Outra etiologia degenerativa é a DOENÇA DOS CORPOS DE LEWY (DCL). Os corpos de Lewy são acúmulos de sinucleina dentro de neurônios. É a marca registrada da doença de Parkinson, quando ocorre principalmente nos neurônios dopaminérgicos da substância negra. Mais recentemente identificou-se estes corpúsculos em neurônios da córtex cerebral e que se mostrou ser uma causa frequente de déficit cognitivo.

A tríade clínica que compõe o quadro clínico e que distingue a DCL das outras causas de demência, se compõe de flutuações, alucinações e síndrome parkinsoniana. Flutuações se referem a mudanças nos estados de alerta, de atenção e momentos  de confusão, que duram de segundos a horas. Alucinações principalmente visuais, são quase patognomônicas de DCL. Visões de pessoas, animais, insetos, descritas em detalhes. Interpretações erradas de sombras ou outras imagens, inclusive a própria no espelho, o que pode levar a ter medo e criar delusões (está sendo perseguido ou ameaçado).

A síndrome parkinsoniana surge depois de algum tempo e costuma ser mais leve, o que distingue a DCL da demência própria da doença de Parkinson. Em ambas as situações são comuns os distúrbios do sono REM, que precedem o diagnóstico em alguns anos e que consistem em vocalizações e movimentos como gritos, ruído de animais, chutes, murros e outros tipos de agressões.

A DEMÊNCIA VASCULAR (DVASC) que se baseia em distúrbio da circulação sanguínea cerebral é a segunda causa mais frequente de demência. Os mecanismos desta patologia variam desde um acidente vascular cerebral maior até deficiência na microcirculação. Por vezes existe a concomitância de fenômenos vasculares e elementos patológicos da doença de Alzheimer, o que se chama de DEMÊNCIA MISTA, e isto parece ser muito comum.

A DVASC pode ser após um infarto ou hemorragia cerebral extensos, comprometendo áreas ligadas a funções cognitivas, após vários infartos (demência multi-infartos), por infarto menor mas em área estratégica ou por doença difusa dos pequenos vasos (DPV). A DPV talvez seja o mecanismo mais viável para produzir danos na microcirculação cerebral e assim lesar áreas fundamentais responsáveis pela cognição.

A DVASC se distingue pela história do acidente vascular cerebral ou quando a neuroimagem fornece pistas diagnósticas, como nos casos de infarto extenso (isquêmico ou hemorrágico), multi-infartos ou os menores estratégicos. A DPV promove quadro de demência quase indistinguível da doença de Alzheimer, porém com menos comprometimento de memória e mais  de funções executivas. Com a evolução costumam aparecer distúrbios motores como dificuldade a marcha. A ressonância magnética de crânio visualiza as marcas da DPV como microinfartos corticais, presença de focos de hemossiderina (microbleeds), espaços  perivasculares alargados, focos de hipersinal na substância branca, lacunas, siderose superficial, sinais de angiopatia amilóidea.

A DOENÇA DE ALZHEIMER (DA) continua sendo a principal causa de demência, responsável por 60/65% dos casos. A DA é quase sempre esporádica mas pequena proporção está ligada à mutação em 3 genes, correspondendo à rara forma familiar de apresentação mais precoce.

A forma típica ocorre por interação de fatores genéticos e ambientais. O gene APOE que tem três variantes E2, E3 e E4 representa um grande risco para desenvolver a DA esporádica. Os fatos patológicos essenciais da DA são as placas de amilóide e os novelos neurofibrilares de proteína tau, que associados as outras alterações, promovem perda neuronal e sináptica, inicialmente afetando áreas ligadas a funções cognitivas como a memória.

Estes processos patológicos da DA iniciam-se muito anos antes dos primeiros sintomas da doença e é a chamada FASE PRODRÔMICA. Hoje com alguns exames pode-se ter uma ideia de quem poderá desenvolver a doença anos à frente. Por exemplo, dosagem de substâncias (marcadores) no liquido cefalo-raquiano, pesquisa de alelo em estudos genéticos e PET scan usando marcadores específicos para amilóide. Entretanto, como viés, tem-se que pessoas com alterações nestes exames PODEM NÃO DESENVOLVER A DOENÇA. Assim não se aplicam na prática médica, mas apenas para trabalhos científicos com drogas experimentais.

Quando se começa a perceber falhas cognitivas (da memória episódica) pode se tratar do envelhecimento cerebral natural (DÉFICT COGNITIVO SUBJETIVO). Um pouco mais do que isso caracteriza o DÉFICIT COGNITIVO LEVE (DCL) OU MÍNIMO, em que a pessoa é capaz manter sua autonomia, sua independência e ter vida normal, mas precisando de maior esforço e atenção. Uma certa porcentagem de DCL pode evoluir para demência nos anos próximos, principalmente quando o comprometimento da memória é predominante.

A próxima fase já se considera o início das manifestações que definem o diagnóstico clínico da doença de Alzheimer (DÉFICIT COGNITIVO MAIOR) e quando se inicia o tratamento com os medicamentos indicados. Estes medicamentos não funcionam nem na fase prodrômica nem no DCL. Isto porque não são preventivos e atuam em alterações bioquímicas que só estão presentes quando a doença apresenta-se plenamente.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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